terça-feira, 8 de janeiro de 2008

(In)utilidade de minha existência

Não tenho o que dizem e o que querem,
Não lhes darei o que um dia não possuí.
Não me odeiem por minha sinceridade,
Sou apenas mais um... e infeliz.

Não sou quem procuram;
De salvador não tenho nada;
Minhas palavras nunca curam.
Por isso não lhes livrarei
destas terríveis pragas.

Viver é a pior delas,
Existir exigi-se persistência,
Quem não tem, sofre deveras;
Quem tem, suporta a penitência.

Não mais escreverei sobre desgraça,
Me colocarei, portanto e apenas,
Como a obra de um Artista em sua casa,
Onde fui somente um mecenas.

A melhor das manhãs

Por menos que eu durma;
Por maior que seja o sono,
Ou melhor que sejam os sonhos,
As longas noites,
Sob o cansaço da demência,
A dificuldade de erguer-se,
De abrir os olhos para mais um dia,
Pela falta que ela me faz nestes
E a crueldade de acordar sozinho;
Isso tudo se dilui...
Torna-se pífio e sem significado,
Quando minha Conterrânea
Acorda-me com beijos e abraços,
Sob a voz tenra de paixão,
Que conforta esta existência
E inaugura meu ex-dia-difícil.

Inquietações Científicas I

É esse infinito de vazio
Que preenche toda a existência.
Nada se achará
Se nos ampliarmos cada vez mais
Atrás dos vidros, das lentes,
Cada vez mais potentes.

O vazio das moléculas nos faz ocos
E as descobertas espaçosas,
Ecos de sofística sabedoria.
É porque essa realidade é tão pífia,
Que a freqüência de nossos sentidos
Nos torna paradigmaticamente ignorantes.

Vemos o que pensamos
E pensamos no que vemos.
Seria mais outra realidade,
Ou apenas a nossa?

Outono

Abraçar as cobertas e travesseiros,
Moles, macios, mansamente.
Acordar no Outono
Com muito sono;
Difícil levantar; lento. Languidamente;
Frio, fraco, feio e resfriado;
Amassado;
Descabelado.
Um banho árduo
Pra tirar o cansaço.
Enfim de pé, acordado.
Cheio de roupas
Que pesadas não quero usar.
É o peso do fim do Verão,
Que nele, mesmo quase nu,
Naquelas noites
Intensamente quentes,
Aqueceu meu coração.
Apesar do frio,
Ele continua quentinho,
Não por calor de Estação,
Mas pelo amorno de carinhos.

Ciclo do Rancor

À noite,
Quando alguns fogem do sono,
À procura de dentes à mostra,
Eu faço o mesmo.

À procura de ambrosia
Para minha alma,
Busco-a na minha solidão;
Esta que exala o leve e azedo odor
Da tristeza revestida
De rancores passados.

É passado...

Mas deixaram o que as borboletas
Deixam nas mais belas flores,
Porém em meu coração.
A promessa dessa nova paixão,
Que quebrou a velha promessa:
De não me deixar
Ser curado pelas asas de um inseto,
Que só é belo depois de larva,
Só amor depois de raiva.

O Caso do Ébrio

Esvaziou aquela garrafa
Como se fizesse algum bem.
Para ele, até que o acalmava,
Porém só momentaneamente.
Atrapalhava a todos,
Com sua voz, cantos e arrotos,
Arrastada e onipresente.
Expulsaram-no do bar,
E carregou consigo,
Injúrias: devedor-inquilino
Daquele seu ex-lar.
Chegou a sua casa e chorou;
Sozinho como estava,
O boteco era sua morada!
Pegou seu cinto e se enforcou.

Trêmula Quiromancia

Esses goles não anularão
Esta vontade de alegria.
Porque só paralisam
O aumento da tristeza.

Estes cigarros; maravilhoso pulmão!
Tampouco tranqüilizam a angústia.
Pois só fazem dela inferior à asma.

Por fim, estes versos,
Não calam os gritos da mente.
Porque esta só pensa nela,
Nestes momentos de solidão.

Brinde aos Ébrios

Uma explicação sobre minha negligência
Insuportável de amante,
É essa sobriedade alucinante
Que faz meus pensamentos em demência
Rodearem a Conterrânea.

Não sei se queria ser sóbrio;
A lucidez e excesso de razão
Me fazem irritante.

Do outro lado do mundo sério,
Embora ainda pareça um mistério,
Sou todo corpo: mais ação.